sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O Ser e o Nada: Ensaios de Ontologia Fenomenológica, JEAN-PAUL SARTRE

Do ponto de vista estritamente filosófico, o itinerário do pensamento de Sartre inicia-se com A Transcendência do Ego, A Imaginação, Esboço de uma Teoria das Emoções e O Imaginário, publicados entre 1936 e 1940. Neles encontram-se aplicações do método fenomenológico formulado por Husserl, ao mesmo tempo que o autor se afasta do mestre e chega a criticar algumas de suas posições. Mas a obra na qual se encontra a filosofia existencialista que celebrizou Sartre é O Ser e o Nada.

O Ser e o Nada subintitula-se ensaio de ontologia fenomenológica, o que desde o início define a perspectiva metodológica adotada pelo autora A abordagem proposta pretende não confundir o objetivo do livro com as metafísicas tradicionais. Estas sempre contrastaram ser a aparência, essências subjacentes à realidade e fenômenos, o que estaria atrás das coisas e as próprias coisas como suas manifestações. A ontologia fenomenológica superaria essa dual idade pela descrição do ser como aquilo que se dá imediatamente, ou seja, não propondo explicar a experiência humana por referência a uma realidade extrafenomenal. Nesse sentido, a ontologia fenomenológica seria idêntica a outras espécies de descrições fenomenológicas, como as que o próprio Sartre realizou com relação às emoções e ao imaginário. Para Sartre, o dualismo de ser e parecer não tem mais “direito de cidadania na filosofia”. O ser de um existente qualquer seria precisamente aquilo que parece e não existiria outra real idade fora do fenômeno: “O fenômeno pode ser estudado e descrito enquanto tal, pois ele é absolutamente indicativo de si mesmo”. Isso não quer dizer que o fenômeno não seja verdadeiramente um ser. Para Sartre, o ser do fenômeno é posto pela própria consciência e esta tem como caráter essencial a intencionalidade. Em outros termos, a consciência visa a um objeto transcendente, implicando, portanto, a existência de um ser não-consciente. Poder-se-ia então concluir que existem dois tipos de ser: o ser-para-si (consciência) e o ser-em-si (fenômeno).

Do ser-em-si somente se pode dizer que ele “é aquilo que é”. Isso significa que o “ser-em-si é opaco para si mesmo”, nem ativo nem passivo, sem qualquer relação fora de si, não derivado de nada, nem de outro ser: o ser-em-si simplesmente é. Daí o caráter de absurdo que o ser-em-si carrega como sua determinação fundamental. A densidade opaca, o absurdo do ser-em-si provocaria no homem o mal-estar, que Sartre denomina náusea.

Para Sartre, o ser-para-si, a consciência, é radicalmente diferente, definindo-se “como sendo aquilo que não é e não sendo aquilo que ele é”. Enquanto o ser-em-si é inteiramente preenchido por si mesmo e sem nenhum vazio, a consciência é constituída por uma descompressão do ser. A consciência é presença para si mesma, o que supõe que uma fissura se instala dentro do ser. Essa fissura, ou descolamento, é a marca do nada no interior da consciência. O nada é um “buraco” mediante o qual se constitui o ser-para-si, e o fundamento do nada é o próprio homem: “mediante o homem é que o nada irrompe no mundo”.

O ser-para-si conteria, portanto, uma abertura e seria precisamente essa abertura a responsável pela faculdade do para-si no sentido de sempre poder ultrapassar seus próprios limites. Enquanto o ser-em-si permaneceria fechado dentro de suas próprias fronteiras, o ser-para-si ultrapassar-se-ia perpetuamente, e esse poder de transcendência seria expresso através das formas do tempo. Em outros termos, o ser-para-si seria um ser para o futuro, seria espontaneidade criadora.

Segundo Sartre, o tempo é também expressão de mistura entre o em-si e o para-si e essa mistura constitui a existência humana. Dentro dessa perspectiva, o passado não existe, a não ser enquanto ligado ao presente; todo indivíduo pode afirmar: eu sou meu passado e no momento de minha morte não serei mais do que o meu passado que, agora, é meu presente. O passado, pensa Sartre, é a marca do em-si. Enquanto o homem é consciente de si mesmo, no presente, ele vive segundo o modo do para-si; contudo, o seu passado tem todas as características do em-si. Da mesma forma como o corpo humano das sereias termina em cauda de peixe, a existência humana constitui-se, sobretudo, pela espontaneidade da consciência, mas encontra atrás de si um ser que tem toda a fixidez de uma coisa qualquer do mundo.

Apesar disso, afirma Sartre, não é possível ver na consciência algo distinto do corpo: Este não é uma coisa que se liga exteriormente à consciência; pelo contrário, é constitutivo da própria consciência. A consciência é, estruturalmente, intencional e, portanto, relação com o mundo; o corpo exprime a imersão no mundo, característica da existência humana. O corpo é um centro, em relação ao qual se ordenam as coisas do mundo e, por isso, constitui uma estrutura permanente que torna possível a consciência. Sartre vai mais longe em sua interpretação, dizendo que o corpo é a própria condição da liberdade. Não existe liberdade sem escolha e o corpo é precisamente a necessidade de que haja escolha, isto é, de que o homem não seja imediatamente a total idade do ser. O corpo é, por conseguinte, tanto a condição da consciência como consciência do mundo, quanto fundamento da consciência enquanto liberdade.

Fonte:http://www.culturabrasil.pro.br/sartre.htm